Azul é a cor mais quente (Le bleu est une couleur chaude, no original) trata-se de uma história em quadrinhos adulta escrita por Julie Maroh. Lançada em 2010, a história teve seu boom com o lançamento do filme que leva o mesmo título em português (mas original, La vie d’Adele). O foco desse post é a história em quadrinhos. A HQ Azul É A Cor Mais Quente apresenta um retrato sensível, preconceituoso, perigoso e multifacetado da homossexualidade feminina. A arte dos quadrinhos é sutil. O cinza representa a história passada sendo relembrada pela leitura de um diário. Já as partes coloridas representam o momento mais recente da narrativa. Ou seja, o presente. A história, que pincela os momentos passados e o atual, é vivida por Clémentine e Emma. O desenho e a disposição de cada quadro atraem e amarram o leitor, sendo impossível não ler a HQ de uma só vez.
Na história, Clémentine, uma estudante que ainda não compreende o que é o amor. Quando ela percebe que um garoto da escola a olha com frequência, esta poderia ser a oportunidade dela descobrir o amor. Aqui entra o azul. Clémentine se aproxima do garoto e mesmo iniciando um namoro ela apenas ver o garoto com um bom amigo. Ela se sente incompleta e com dúvidas sobre o
que sente por ele e o que se trata esse sentir. Clémentine expressa esse incômodo em seu diário, servindo de pensamentos que a acompanham em cenas silenciosas. Assim, o diário proporciona quadros de narração de forma intimista. Em uma dessas cenas Clémentine cruza com um casal de garotas, uma delas com o cabelo e olhos azuis, única cor destoante do cenário cinza. O olhar das duas se cruzam e Clémentine nunca mais se esqueceria daquela garota e daquele momento. O azul se espalha pelo resto dos quadrinhos e Clémentine busca em todas as aparições da cor a possibilidade de reencontrar a garota. Afastando-se do jovem por não sentir a atração de maneira recíproca e recusando seu sexo, Clémentine encontra em seu melhor amigo gay, Valentin, consolo e conselhos. Uma colega da escola lhe rouba um beijo e Clémentine sente pela primeira vez desejo e atração. O beijo foi suficiente para deixá-la feliz e procurar a autora do disparador beijo novamente. Porém, não sendo correspondida, Clémentine se frustra e volta à estaca zero. Valentin é o ponto de apoio e de questionamentos sobre os preconceitos que Clémentine aprendeu a reproduzir em relação aos modos de expressar a sexualidade. Angústias e crises de identidade passam a atormentá-la quando começa a sentir que há algo “errado” com sua sexualidade. Ela sente o peso das imposições sociais, do que lhe foi ensinado como a maneira correta de conduzir sua vida sexual. Clémentine não quer e não se assume homossexual. Ela enxerga tal posicionamento como um peso e sinônimo de rejeição por parte da sociedade em que se insere. Em uma saída com Valentin e escapando de sua proteção, Clémentine entra em um bar de lésbicas. Lá ela se depara com a garota do cabelo azul, que também a nota. Finalmente Clémentine conhece Emma e sua namorada.
Toda a gama de sentimentos causadores e provenientes destes conflitos internos de Clémentine, incluindo o preconceito contra si mesma, contra o “erro” que julga estar cometendo ao sentir-se atraída por alguém do mesmo sexo, é muito bem explorada por Maroh: a rejeição do pai, que não aceita a inclinação de Clementine, algo que transforma-se no dramático catalisador do ato final do álbum; as tentativas inúteis de ignorar sua própria sexualidade, envolvendo-se em protestos sem engajamento político, frequentando baladas sem dar vazão a seus desejos, fugindo de uma diversão para outra, consumindo álcool, a fim de entorpecer-se para anular um desejo que não cala; a negação do desejo quando a rejeição das “amigas” a atingem diretamente, quando passam a desconfiar de sua inclinação sexual; a revolta que nasce de sentimentos conflituosos, resultado da luta para entender o que sente, e da repressão de seus desejos. Há uma real paixão na maneira como a autora retrata a trajetória da personagem. A presença de Emma na escola é o estopim para que o círculo social de Clémentine, com cochichos impregnados de julgamentos, a taxe de lésbica, excluindo-a. É uma das partes mais tensas da história, pois Clémentine se vê dividida em proteger Emma e se proteger desse peso social. Ela se afasta de todos e questiona como Emma aguenta esse ‘fardo’. Emma e Valentin confrontam a visão taxativa de Clémentine com o sentir amor por alguém, ou seja, que o que ela busca não depende de gênero.
Com o tempo e no último ano do colégio, Clémentine reencontra Emma. Clémentine descobre na garota do cabelo azul conforto e segurança, mas Emma mostra que em cada espaço pode-se encontrar olhares preconceituosos. Emma crê que a garota possa amar outros rapazes, mas Clémentine só deseja seu beijo. Dentre discussões sobre o que seria o amor elas, o primeiro beijo acontece e vem misturado a lágrimas. Clémentine conhece seu corpo e o de sua companheira, encontrando prazer e amor naquele sexo. Aos poucos uma se insere na vida da outra e Clémentine encontra nas dificuldades e prazeres desse novo momento o seu crescimento. É possível compreender que Emma também cresce, simbolizado pelo seu cabelo já não mais azul. Em um primeiro momento, Emma é quem provoca mudanças em Clémentine, mas há uma hora em que esta precisa questionar Emma, fazendo as duas ficarem mais plausíveis e humanas.
A história é escrita de forma bem sensível e procura expor com honestidade, gradativa e cuidadosamente, a aceitação de um sentimento que se torna mais forte e urgente, e a satisfação de descobrir que não está só em seu desejo por alguém do mesmo sexo. O foco da história não é verbalizar que Clémentine é isso ou aquilo. Clémentine não diz ‘eu sou lésbica’ em nenhum momento. Aliás, de início ela recusa essa possibilidade. Ela enfrenta as consequências da escolha que fez. As cenas de sexo presentes na HQ surgem com naturalidade, e mesmo intensas e apaixonadas, respeitam a intimidade das personagens. Não há closes invasivos e pornográficos, mas eróticos.
É uma consequência incontornável e necessária para mostrar visualmente a paixão por muito tempo represada por Emma e Clémentine. É um ato impulsionado por um senso de urgência e pelo desespero de tornar o desejo ato, toque, estímulo e gozo, tanto físico quanto psicológico.
“Só o amor pode salvar o mundo. Por que eu teria vergonha de amar?”
Amorosamente falando. Ainda está distante a salvação do mundo por este tipo de amor. Azul é a Cor Mais Quente causou polemica e levantou preconceitos. O preconceito está presente em todos nós e sempre estará. Dizer e afirmar que não tem preconceito é uma própria demonstração de ter preconceito. Ele está presente e sempre estará.
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