Mordido por uma aranha radioativa, o jovem Peter Parker transforma-se no super-herói mais bizarro de todos os tempos. seus fracassos são bem-sucedidos. Por vaidade e inação, deixou de evitar o assassinato de seu tio, aprendendo que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. A culpa atravessa sua alma. Sua namorada morreu ao ser jogada de uma ponte pelo Duende Verde (estaria já morta ou apenas desmaiada, quando o herói atira a teia para tentar salvá-la?). Por mais que se esforce, acaba sempre desmascarado, deixando em perigo todos aqueles que lhe são mais próximos. A teia que sai de seus punhos não é orgânica, nem produto da transformação mutante no sangue - é fruto de seu próprio gênio e engenho, potência criativa da mente diante do inesperado.
Como uma aranha, meticulosamente, tecemos as tramas do nosso destino e alimentamos a teia de acasos que nos conduz fio a fio, ponto a ponto, do infinito ao por fim.
Peter se depara a cada noite com um novo beco sem saída. Os inimigos estão em toda parte, à espera, à espreita, com os tentáculos prontos para esmagá-lo como a um inseto, algo que quase ele é.
Herói ou não, cada nova aventura ou conquista traz também uma perda (de alguém, ou do que poderia ter sido?). Mesmo a morte do Duende lhe pesa nas consciência, como mais um fantasma que terá sempre que enfrentar.
Sobre a mesa, as fotos do aranha não revelam o que se esconde atrás da máscara. Também não traduzem o discurso irônico e destemido que disfarça suas inseguranças e seus medos.
Recém-chegado, e novamente prestes a sair pela janela, com o uniforme azul e vermelho suado de tantas batalhas, olha para trás e vê a si mesmo enquadrado no olhar verde de sua mulher, a bela e ruiva Mary Jane. E pensa, seria mais fácil ficar. Por hoje, apenas esta noite. Mas quem iria patrulhar as ruas, evitar novos desastres, punir as injustiças?
Então Peter se lança no espaço, no vazio, acelera por um fio rumo à escuridão noturna, escala a parede do prédio mais alto e observa de cima a cidade que ainda pulsa, no desenho das luzes.
Dali, todos os problemas e dramas humanos parecem pequenos - como num filme, como ás vezes quase a vida é.
Texto de Jorge Viveiros de Castro. Extraído do livro shazam!